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Como equilibrar: exposição, descrição e diálogo

A corda bamba da qual todo autor tem medo de cair


Quanto mais se estuda sobre como contar histórias, mais se encontra a palavra equilíbrio. Já mencionei aqui em artigos anteriores e, com certeza, ainda mencionarei muito mais. Logo, é natural — e até óbvio — dizer que o equilíbrio entre exposição, descrição e diálogo é importante para determinar o funcionamento da cena, como ela será percebida pelo leitor. Compreender isso não torna a tarefa fácil.


A exposição “conta sem mostrar”. Contar demais, vocês já sabem, é o grande vilão da arte. Não contar nada, por outro lado, é impossível. Diálogo demais pode desorientar o leitor, descrição demais é muito chato.


Agora vejamos o que mais precisamos saber sobre esse malabares literário.


Índice:



PARTE I - Exposição


O que é?


É o ato de fornecer um resumo de informações que o leitor precisa. É rápida e objetiva. Por exemplo:


"Os dois cavalos tinham acabado de se deitar quando uma ninhada de patinhos, que tinha perdido a mãe, entrou no celeiro..." — A revolução dos bichos, George Orwell

Nós não vimos quando ou como os patinhos perderam a mãe, o fato não tinha importância para o desenrolar da história a ponto de merecer um flashback, mas era importante para a compreensão do contexto e da construção dos personagens, que o leitor soubesse. Então o autor simplesmente contou.


Ou seja, a exposição é a ferramenta ideal para quando o leitor precisa saber algo, porém não precisa ver como aconteceu.


Sinais de excesso


Exposição acelera o ritmo. Então, se sua história passa a sensação de velocidade dois do Whatsapp, talvez você esteja contando demais. Igualmente válido para parágrafos inteiros onde nada está acontecendo no presente e aqueles que soam como um sumário de eventos.


“Joana teve o bebê naquela noite. Sua mãe chegou na manhã seguinte. Seu marido foi embora na noite do mesmo dia. A alegria da casa virou tristeza. Aquele foi o mês mais frio que a cidade já viu.”

Não soa corrido demais? Você não experienciou nada do que leu, é só uma pilha de informações jogadas. Agora imagine que Joana é a protagonista e esses fatos são importantes para o enredo. Não seria muito chato descobri-los assim, sem emoção? A ausência de emoção, também é um indicativo de que pode ter exposição demais. Contra ela, o remédio é seu oposto, a descrição.


O que não fazer


Nunca use da exposição porque se sente inseguro com o que precisaria ser descrito. Os leitores sentem isso e jamais terá o mesmo efeito. Exposição não é uma muleta narrativa, é uma ferramenta de dois gumes muito afiada, use com moderação. Vale mais a pena aumentar a pesquisa a respeito de sua dúvida do que jogar uma “exposição coringa”.


Lembre-se do porque as pessoas abrem livros. A leitura ficcional deve despertar emoções, entreter, promover escapismo da realidade. Contar na hora errada arranca isso do seu leitor. Se for contar, conte porque naquele momento, era a melhor decisão para o ritmo da sua história, jamais porque seria mais rápido e fácil escrever dessa forma.


E não pense que simplesmente enfiar toda a exposição num diálogo é a solução. Sim, diálogos expositivos existem e, às vezes, servem a propósitos úteis. Mas pense muito antes e depois de tentar algo assim.


Como utilizar


Muito se diz que mostrar é melhor do que contar. Entretanto, a maioria das regras tem exceções. O contar não é um vilão inflexível, na verdade, contar no momento certo é providencial para que sua história mantenha um bom ritmo. Pense no quão pedante e difícil seria a compreensão de um livro em que cada mínimo detalhe, passado e presente, fossem descritos com a mesma riqueza. O personagem bebendo um copo d'água no ensino médio, no passado narrativo, não pode ter o mesmo peso na descrição, que a cena onde ele toma as decisões cruciais para o desenrolar do conflito principal.


Às vezes, o leitor só precisa de uma linha de exposição e não de um capítulo inteiro de flashback ou três parágrafos sobre um acontecimento prévio ao presente narrativo, para mostrar como as coisas chegaram naquele ponto.


Como saber quando a exposição é uma benção e não uma maldição?


  • Aquilo que você irá expor, não é um acontecimento crucial do presente narrativo, tampouco vital para o propósito do capítulo.

  • Passagens de tempo cujas descrições desacelerariam desnecessariamente o ritmo. Por exemplo, dizer "uma semana depois da briga, Mariana voltou ao trabalho". Se nessa semana entre a briga e o retorno da narração, Mariana não fez nada de relevante para o enredo, por que encher páginas descrevendo cada dia?

  • Sempre que precisar levar seus personagens do ponto A ao ponto B e o meio do caminho não agregar nada a história, mesmo sem grandes passagens de tempo envolvidas.

  • Fornecer informações de forma clara e direta. Por exemplo, "Flávia é médica". Se Flávia não é uma personagem principal e não caberia uma cena onde a víssemos trabalhando, mas esse fato talvez seja importante, alguém pode simplesmente contar que ela é.

  • Para evitar repetições. Imagine que seu leitor acabou de ler o protagonista brigando com a esposa. Na cena seguinte, ele vai a um bar contar aos melhores amigos o que aconteceu. A narração pode apenas mencionar o teor da conversa ou o seu fim. O leitor não precisa ler a mesma cena duas vezes.


A exposição é mais poderosa quando é algo inesperado que contrasta na narração da cena. Às vezes, uma linha de exposição no meio da cena, uma revelação curta e direta, tem mais impacto do que cenas de descrição teriam. Mudar de mostrar para contar numa linha, diz ao leitor que a linha é importante e ressalta seus sentidos para prestar atenção naquela informação, devido a quebra brusca de ritmo.


Em resumo, para história de fundo rápidas, passagens de tempo e informações diretas, o resumo talvez sirva melhor que norma geral de mostrar e descrever.


PARTE II - Descrição


O que é?


Para além do literal, a descrição é aquilo que abre a porta do mundo ficcional dentro da cabeça do leitor. Mais do que assimilar um conjunto de palavras, a descrição faz o leitor visualizá-las, como um filme, como uma memória que ele nunca viveu. Mais do que saber os acontecimentos do enredo, a função da descrição é fazer o público absorvê-los, senti-los. Ela mostra seus personagens e seu mundo, desenvolvendo, aprofundando, sua trama avançando. Dá vida aos detalhes que impactam e constroem a história.


A descrição dita o clima e o ritmo da história. É um dos recursos narrativos mais importantes, afinal, é o que queremos dizer com “mostre, não conte”.


E como já diria Tio Ben, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Fazer a descrição funcionar a seu favor, não é exatamente fácil.


Sinais de excesso


Sua descrição não está movendo a cena para frente. Se uma sequência de descrições não tem propósito, a cena se torna estática. É como se alguém empacasse na sua frente no meio da calçada cheia, quando você está com pressa.


Preste atenção na quantidade de detalhes. Muitos detalhes podem deixar a descrição sobrecarregada e isso faz o leitor se perder no fluxo da leitura. Mesmo se você estiver adicionando a descrição para desacelerar propositalmente o ritmo da cena, procure balancear a quantidade de detalhes. A linha entre aquilo que o público precisa saber e o que é demais, é muito tênue.


Pouco espaço de respiro numa página, também pode indicar descrição demais. Essa é uma métrica mais relativa, pois a quantidade dos elementos narrativos variam da intenção da cena, ainda assim, não custa analisar.


Olhe para o assunto principal da sua cena e questione quanto as suas descrições se desviam disso. Desvios podem ser excessos.


Por último, uma dica de teste: Se ao ler uma linha, a anterior fugiu da sua memória, interrompendo sua conexão com o texto e o fluxo de leitura, considere reduzir a descrição.


O que não fazer


O básico aqui seria dizer que nenhuma descrição deve se estender além do necessário. Quando digo necessário, digo avançar algo importante na narrativa, mesmo que essa necessidade seja criar um simples momento de alívio entre os personagens.


Para cada passo que der em escrita criativa, devemos nos perguntar: por que estou fazendo isso? Muito provavelmente essa resposta não será clara no começo, quando ainda estamos imersos na inspiração e todos aqueles sentimentos de começo de criação ou quando estamos despejando o primeiro rascunho, mas em algum momento, ela precisa ser. Tudo o que você não quer é que o leitor se pergunte porque está lendo uma descrição e não encontre uma justificativa plausível.


Aceleremos com uma sessão “cuidado”:


  • Cuidado com a repetição de palavras. Pode enfraquecer a riqueza da descrição.

  • Cuidado com o excesso de adjetivos e advérbios. Eles contam, não mostram. Evite tags de diálogo adverbial. Por exemplo: “ela disse rispidamente“. Você não precisa contar que a personagem foi ríspida, porque essa informação deve ser passada pelo contexto. A cena deve mostrar isso, logo, a compreensão do leitor é óbvia.

  • Cuidado na terceira pessoa que não segue um ponto de vista específico. Tentar descrever o olhar de todos os personagens na cena com o mesmo peso pode gerar toneladas de descrição, ritmo moroso, desvio de propósito e o seu leitor soltando a história para dar uma voltinha no Instagram.


Como utilizar


Receita de bolo? Não temos. Trago sua descrição perfeita em três roladas de tela? Não trago. Mas trago diquinhas que podem temperar sua obra.


  • Seja específico. Se for citar um carro, diga a marca. Se for citar um cachorro, diga a raça. Esse tipo de detalhe não só facilita a visualização do leitor, como fala sobre época, local, situação socioeconômica, etc.

  • Explore os cinco sentidos. Dos personagens e dos leitores. Mostre o que os personagens vêem, ouvem, que cheiros sentem e que gostos o mundo deles tem. Através disso, os leitores sentirão também.

  • Considere o gênero. O gênero dita diferenças no que diz respeito à descrição. Por exemplo, histórias românticas costumam apresentar descrições mais ousadas de cenário, detalhes sobre o físico dos personagens. Suspenses trazem cenários mais realistas e descrições claras que potencializem a tensão. Fantasia gasta considerável tempo construindo o universo e etc.


PARTE III - Diálogo


O que é?


É uma parte crítica da história. É onde seus seus personagens exercem a vida que você os deu. Eles usam a própria voz, eles falam. Diálogo é a conversa entre dois ou mais personagens numa narrativa. Revela como eles escolhem mostrar o que pensam e sentem, como reagem em determinadas situações e avançam o enredo. Você pode dizer que seu personagem é arrogante, mas somente quando ele falar, seus leitores terão certeza disso.


No geral, o diálogo acelera o ritmo e prende a atenção do leitor, pois é coloquial, portanto, fácil de ler e ver os personagens conversando o faz sentir participando da história.

Existem dois tipos de diálogo:


1. Diálogo externo:


A versão clássica, quando um personagem fala com outro.


2. Diálogo interno:


É o personagem falando consigo mesmo, o famoso monólogo interno.


Sinais de excesso


Diálogo é incrível, eu particularmente adoro ler e escrever diálogos. Mas nada é bom em demasia. Aqui vai uma modesta lista de dicas para reconhecer excessos:


  • O leitor fica confuso sobre quem está falando (o que também pode indicar um problema com a distinção das vozes dos personagens, a personalidade que cada um deve ter).


Observação: Poluir o texto com muitas tags de diálogo não é a solução.


  • A leitura não passa a sensação de clima. Sabe quando assistimos um filme de terror e aquela paleta escura da fotografia passa uma atmosfera de tensão? Na literatura, precisamos da descrição para que o clima se estabeleça na mente do leitor e arrepie sua pele.

  • A diagramação da página tem muito espaço em branco. Aparência de lista (só se encaixa para troca de diálogos curtos).

  • A falta de outros elementos também pode ser um indicativo de excesso de diálogo. Analise o desequilíbrio, o que está faltando? Internalização dos sentimentos do narrador? Descrição de cenário? Movimento?

  • A fala não move o enredo ou revela os personagens.

  • Os personagens não estão conversando e sim despejando informações uns nos outros que poderiam ser passadas de outras formas com mais impacto. Ênfase se forem informações óbvias que cujos indivíduos envolvidos já saibam, mas o leitor não (diálogo expositivo ruim).

  • O leitor fica sem fôlego na leitura.

  • A impressão de que os personagens são apenas cabeças falantes numa sala branca. Significa que há apenas troca e diálogo estático e o leitor não tem informações de onde aquele diálogo ocorre ou que movimentos acontecem na cena enquanto isso.


O antídoto para excesso de diálogo é a descrição. Descubra que pontos exatamente estão carentes de atenção e ataque lá. Seus personagens não estão se movendo? Faça ele dar um gole em sua bebida. Seu narrador está calado demais? Descreva a impressão dele sobre o que acabou de escutar outro personagem dizer.


Não é nenhuma regra rígida (quase nada na escrita criativa é), mas dizem que qualquer sequência de diálogo maior do que seis trocas de fala, sem interrupções da narração, corre o risco de perder a imersão do leitor, bem como diálogos longos tendem a sobrecarregá-los. Releia sua cena e veja como os diálogos estão funcionando. Seu diálogo longo de fato é impossível de modificar? Você não precisa mesmo dizer que o personagem bateu na mesa no meio daquela troca "bate pronto"?


O que não fazer


Obviamente, você deve tomar cuidado com os excessos que acabou de ler, bem como com a falta. Se seus personagens nunca falarem, além de seu texto ficar enfadonho, o leitor terá dificuldades de absorver e acreditar na personalidade deles.


Pergunte ao seu texto porque e para quem o diálogo está ali. Não permita que a resposta seja “porque quero mastigar informações para o leitor”. Seus personagens estão conversando entre si, respeite isso, deixe apenas o que eles diriam uns para os outros naquele contexto. Nem mais, nem menos, sem intromissão do autor.


Uma dica bônus é algo que tenho lido muito nas redes sociais. Leitores reclamando de diálogos cujo único sentido parece ser emplacar frases de efeito para serem destacadas na Amazon ou reproduzidas em divulgações. A sensação de ausência de propósito os incomoda e também o excesso de referências a frases famosas da cultura popular.


Veja bem, não é que esses recursos sejam um erro e devam ser totalmente evitados. Apenas tome cuidado com quantidade, equilíbrio e contexto. Na medida certa, são temperos maravilhosos.


Como utilizar


Creio que já temos informação suficiente para partirmos numa listinha de dicas objetiva:


  • Administre o diálogo e as pausas, de acordo com como você quer que a cena seja lida. Você quer uma leitura rápida e cômica? Quer que o leitor tome um segundo para refletir e absorver o impacto.

  • Explore as entrelinhas. O que não é dito, mas fica no ar depois de uma fala vaga ou ambígua, diz tanto quanto um monólogo. E o melhor, cria um triplex todo mobiliado na cabeça do seu leitor. É onde ele interage com a história, se coloca no lugar dos personagens, cria teorias e se diverte com a sua obra. Foi para sentir isso que ele começou a ler, em primeiro lugar. É a prova de que você cumpriu seu objetivo e seus personagens geram empatia.

  • Explore a mentira. Seus personagens não são perfeitos — e nem deveriam ser. Eles também mentem, para os outros e para si mesmos. As nuances e motivações dessas mentiras dão complexidade aos personagens e ao enredo.

  • Realce as individualidades dos personagens. A forma como falamos diz muito sobre nós. Uma simples fala revela idade, origem, humor, estilo, preferências, religião, etc.

  • Revele a intimidade — ou a falta dela. Não falamos com todos que conhecemos da mesma maneira, certo? Temos mais distanciamento e formalidade com desconhecidos. Faça bom uso desse recurso para demonstrar a profundidade dos relacionamentos do seu personagem.


O segredo é o ritmo


Aposto que você já previa esse último tópico. Aqui lê-se ritmo como o equilíbrio entre os três elementos discutidos no post. Então, como fica a resposta do título? Como equilibrar exposição, descrição e diálogo? Como as dicas desse texto efetivamente ajudam?


Reconhecendo as funções de cada elemento, junte isso a outros fatores cruciais na criação de uma história. Qual é o estilo dela? Qual é o seu estilo como autor? Como se comporta esse gênero, seus autores e leitores atualmente? E por último, mas de forma alguma menos importante, o que você quer passar com a história? O resultado dessa equação responde qual a medida certa entre esses elementos cabe em cada cena da sua obra.


Embora a técnica seja um norte, a arte é flexível, não existe resposta universal. Existe prática e intenção. Com o passar do tempo, nossos olhos se treinam para reconhecer esses fatores que agora parecem tão abstratos. Foque nisso. Encontre suas próprias respostas.


Boa sorte. Bom trabalho. Boa jornada o/

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